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Douro necessita de uva mais valorizada e melhores salários

O que falha no modelo económico da região vitícola mais rica do país para não conseguir gerar valor e reparti-lo de modo a motivar quem trabalha a permanecer neste território?

A questão foi lançada por Manuel Carvalho, diretor do jornal Público, na mesa redonda do colóquio da Prodouro, que se realizou na passada sexta feira, em Sabrosa, e teve resposta direta de Rui Soares, presidente daquela associação de viticultores: 

Não fomos capazes de gerar no território uma atividade económica suficientemente valorizadora para que as pessoas permaneçam no Douro”. Efetivamente, acrescentou, “temos de pagar melhor aos trabalhadores, mas, para isso, temos de “aumentar o valor da uva”, “raiz do problema da região”, como referiu. 

Rui Soares, presidente da Prodouro
Rui Soares, presidente da Prodouro

É nesse contexto, aliás, que se integra a intervenção de Miguel Ángel Moreno, da Associação Agrária de Jovens Agricultores (ASAJA) de Castela e Leão, no colóquio que encheu o auditório da Câmara de Sabrosa. 

Na região vitícola espanhola de Rueda, a uva tem um preço mínimo imposto por lei, nunca podendo ser inferior ao custo de produção, deu conta Miguel Moreno. 

O preço da uva naquela região, 0,51 euros com regadio e 0,47 sem regadio, não serve de termo de comparação para o Douro, dado o perfil diferente daquele território. A premissa, no entanto, que motivou a criação de um sistema de cálculo organizado e transparente, pode ser útil: em Espanha foi criado um observatório dos custos da cadeia alimentar com meios legais que permitem garantir contratos justos entre agricultores e comércio.  

Vinhas de escala humana

A mudança no modelo de granjeio das vinhas, nas últimas três décadas, recordou António Magalhães, da Fladgate Partnership, está na base do problema de mão de obra na região e é um dos desafios à sustentabilidade económica e social do Douro. 

Douro necessita de uva mais valorizada e melhores salários
Douro necessita de uva mais valorizada e melhores salários

A região está a perder os seus trabalhadores especializados e as suas vinhas de escala humana”, alertou, lembrando que cada quinta tinha no passado recente os seus trabalhadores e que hoje é fundamental o recurso a empresas de contratação de mão de obra agrícola para suprir as necessidades de mão de obra, essencialmente em épocas de pico de trabalho. 

Trabalho manual valoriza Douro

Só por si, melhores remunerações não é suficiente”, comentou a professora da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Lívia Madureira, numa referência à mudança de estilo de vida e crescente valorização do bem-estar que também no Douro tiveram repercussão. 

O trabalho agrícola é exigente, e no Douro, pelo relevo e clima, ainda mais, o que torna difícil níveis de produtividade elevada, considerou Rui Soares. Mas é preciso não esquecer que “a qualidade de uma colheita manual faz parte da boa imagem dos vinhos do Douro”, acrescentou Ana Aguilar da direção da Prodouro. 

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Colóquio da Prodouro
Colóquio da Prodouro

Entre as soluções propostas, estão ajustes na legislação que permitam agilizar o processo de contratação, como o contrato de vindima proposto pela Prodouro ou o contrato intermitente, figura legal já existente, como sugeriu Carlos Peixoto, da Casa Ramos Pinto. 

Importa igualmente criar apoios e condições para acolher e fixar trabalhadores e famílias, defenderam vários intervenientes no colóquio, nomeadamente envolvendo autarquias, como defendeu a presidente da autarquia de Sabrosa, Helena Lapa. 

Sem desculpas para não tomar medidas

O Douro tem sido “cada um a jogar o seu jogo”, sublinhou Gilberto Igrejas, presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), lembrando o desafio que o Conselho Interprofissional do IVDP tem em mãos, atualmente representado por quatro associações, duas do lado da produção e duas do lado do comércio: 

Estamos no momento mais que oportuno para levar a cabo todas as transformações políticas que o setor vem exigindo há muito tempo e, portanto, a responsabilidade deste Conselho Interprofissional é enorme. Não pode haver desculpas para que daqui a dois anos as grandes medidas políticas que enfermam e prejudicam a Região não tenham sido tomadas”.  

Durante o colóquio foi ainda apresentado o programa europeu PRO_MOV que visa a requalificação de 25 mil portugueses até 2025 e tem uma componente de formação na área agrícola. Neste âmbito, no Douro Vinhateiro está prevista a realização do curso de Operador Agrícola Especializado em data a definir. 

Dois representantes de empresas de prestação de serviços agrícolas no Douro, Justina Teixeira e Duarte Sequeira, sublinharam a sua preocupação com a “desproteção” que dizem sentir. Por um lado, os viticultores e produtores que os descartam no período que se segue à vindima, por outro, a falta de sensibilidade dos vários organismos públicos que regulam a atividade, que em vez de ajudar, se focam nas ações de fiscalização/penalização — o que indiretamente facilita o próprio trabalho não declarado, alegaram.